Enredo afro-brasileiro... o legado de Fernando Pamplona.
É com muito pesar que nesta manha de domingo (29/09/2013) o ayê (terra) se despede de Fernando Pamplona. O acadêmico mais popular, amante da cultura brasileira, formado na escola de Bellas Artes do Rio de Janeiro, se apaixonou pelo desfile das escolas de samba e ao julgar o carnaval de 1959, admirou seu Salgueiro... o acadêmico enamorou-se pelo Acadêmicos. Surgiu assim, uma história de amor, sem pieguice alguma... Fernando Pamplona amou o Salgueiro e a partir de 1960 foi convidado pelo então presidente da escola, Nelson de Andrade para assumir os desfiles do Salgueiro como carnavalesco. Era tempo de pobreza, carnaval feito por amor, recebendo em troca apenas (e para quem ama o carnaval verdadeiramente, como Fernando amou, isso torna-se TUDO) a satisfação de ver sua escola desfilar. Fernando não só nunca recebeu um centavo pelo seu trabalho como carnavalesco, como quase que sempre tirou do seu bolso, dentro do possível, o dinheiro para que pudesse terminar o carnaval da sua vermelho e branco.
Se antes, os desfiles eram feitos por membros da comunidade, pessoas simples dos morros e das periferias, agora, o Salgueiro tinha um acadêmico, um profissional para desenvolver os seus enredos... Muitos pensaram que aquilo seria o fim, que o carnaval estaria predestinado a perder suas origens, afinal, no que um homem estudado, de classe média, poderia contribuir para a manutenção de uma cultura desde sempre rejeitada pela sociedade e oprimida pelo Estado? Fernando, simplesmente, trouxe para cada membro do Salgueiro o orgulho de ser negro, de ser pobre, de ser salgueirense...
Com Fernando Pamplona os temas apresentados pelas escolas de samba se transformam, os enredos nacionalistas, que tratavam da terra e dos heróis forjados caem por terra para dar lugar as histórias e personalidades esquecidas pela História oficial. A década de 1960, passaria a ser a década negra dos enredos salgueirenses, enredos afro-brasileiros, foi isso que Pamplona idealizou para os carnavais do salgueiro, afinal, isso era tudo que faltava no carnaval, onde o povo negro, dono da festa, ainda resistia em não falar sobre sua história e seus personagens. A mudança idealizada por Fernando e concretizada pelos salgueirenses não se deu apenas nos enredos, mas também no samba-enredo, pois Pamplona sugeriu que ao invés de LÁ-RÁ-RÁ, os sambas passassem a usar ÔH, ÔH, ÔH, por ser mais negro.
A partir de então, o negro salgueirense despiu as roupas de corte e as perucas brancas e passou a fantasiar-se com figurinos de indumentária africana, isso depois de muito papo sobre a história brasileira e a marginalização da cultura negra, pois o pessoal do salgueiro a princípio não gostou muito da ideia de sair com roupas que lembravam a escravidão. Afinal de contas se vestir de reis e damas da corte era muito mais "bacana" (termo usado pelos foliões na época), uma vez que durante o ano inteiro já teriam que conviver com a pobreza das favelas... Mas conversando com a comunidade Pamplona foi mostrando a importância de apresentar tais enredos e como aquilo seria inovador no carnaval. Assim, foi feito.
Como podemos ver, Fernando Pamplona não revolucionou só os enredos, mas também os sambas, as indumentárias e a própria ideologia dos salgueirenses. A partir daí, o caminho estava aberto para as demais escolas de samba, o enredo afro passou a ter o seu lugar nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Além disso tudo, Fernando Pamplona, formou os principais nomes do carnaval carioca: Joãozinho Trinta, Rosa Magalhães, Renato Lage, Maria Augusta, Lícia Lacerda.
VEJA OS ENREDOS IDEALIZADOS POR FERNANDO PAMPLONA
Ano | Escola | Colocação | Grupo | Enredo |
---|---|---|---|---|
1960 | Salgueiro | Campeão | 1 | Quilombo dos PalmaresArlindo-nilton 1 |
1961 | Salgueiro | Vice-Campeão | 1 | Vida e obra do AleijadinhoArlindo 2 |
1964 | Salgueiro | Vice-Campeão | 1 | Chico-ReiArlindo 2 |
1965 | Salgueiro | Campeão | 1 | História do Carnaval CariocaArlindo 2 |
1967 | Salgueiro | 3ºlugar | 1 | História da liberdade no BrasilArlindo 2 |
1968 | Salgueiro | 3ºlugar | 1 | Dona Beja, a feiticeira de AraxáArlindo 2 |
1969 | Salgueiro | Campeão | 1 | Bahia de todos os DeusesArlindo 2 |
1970 | Salgueiro | Vice-Campeão | 1 | Praça XI carioca da gemaArlindo 2 |
1971 | Salgueiro | Campeão | 1 | Festa para um rei negroArlindo 2 |
1972 | Salgueiro | 5ºlugar | 1 | Nossa madrinha, Mangueira queridaArlindo 2 |
1977 | Salgueiro | 4ºlugar | 1-A | Do Cauim ao Efó, moça branca, branquinha |
1978 | Salgueiro | 6ºlugar | 1-A | Do Yorubá à luz, a aurora dos deuses |
1997 | Em Cima da Hora | 5ºlugar | A | Sérgio Cabral a cara do Rio |
1 - Produzido com Arlindo Rodrigues e Nilton Sá
2 - Produzido com Arlindo Rodrigues
Como se vê no quadro, o enredo clássico de 1963 do Acadêmicos do Salgueiro "Xica da Silva" não é de autoria de Fernando Pamplona, como se costuma atribuir, e sim de Arlindo Rodrigues. No livro "O Encarnado e o Branco", Fernando relata que Arlindo havia lhe pedido para ajudá-lo a fazer esse enredo, mas que ele não aceitou:
FERNANDO: "- Enredo de merda, Arlindo!"
ARLINDO: "- Mas é negro, é de luta e conquista social, tá na nossa linha e ... É bonito paca!"
FERNANDO: "- Pô, cara, tu quer fazer negócio de babaca faz, segura a barra porque não estou nem aí, vou me mandar para Alemanha, tchau!"
E assim foi feito, Arlindo desenvolveu o enredo sozinho enquanto Fernando viajava pela Alemanha. De volta ao Brasil para passar o Natal e o Ano Novo, Fernando foi convidado para escolher o samba-enredo já que não havia participado da elaboração do enredo, então depois de ouvir os sambas, antes de voltar para suas viagens, Fernando deixou escrito o samba-enredo que achava merecedor da vitória, era o samba da parceria do Anescarzinho e do Noel Rosa de Oliveira. Samba que foi um estouro no carnaval e o Salgueiro foi novamente campeão!!!!!!!! Fernando recebeu a notícia, nas ruas de Paris.
Este ano, Fernando Pamplona lançou seu livro "O ENCARNADO E O BRANCO", onde conta suas aventuras pelo Brasil e por onde passou, contando fatos gloriosos de sua passagem pelo mundo do carnaval, de onde nunca esteve distante.
Há um mês Fernando recebeu o diagnóstico de um câncer raro, foi internado, recebeu alta e voltou para casa, onde morreu nessa manhã nublada de domingo. Fernando que acabara de completar 87 anos, deixa sua mulher Zeni, com quem foi casado durante 60 anos e três filhas.
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