Vinicius de Moraes cuja pluralidade é reconhecida em suas obras, pensamentos
e paixões receberá por ocasião do seu centenário nossa homenagem. Para
compreender melhor o homem e o poeta, resolvemos criar um diálogo imaginário,
tomando como respostas seus poemas, contos e
entrevistas. por Alex de
Souza A INFÂNCIA
ILHA – Poeta, fale um pouco da sua infância, suas memórias da nossa Ilha do
Governador.
POETA - Era um menino valente e caprino. Um pequeno infante, sadio e
grimpante. Esse ei-ou que ficou nos meus ouvidos são os pescadores esquecidos...
as barcas da Cantareira...o mar com o seu marulhar ilhéu. Éramos gente querida
na ilha, e a afeição daquela comunidade manifestava-se constantemente. Quero
rever Governador, a Ilha! Que minha amiga Rachel de Queiroz pensa que é dela,
mas não se engane, é nossa. Quero repalmilhar a praia de Cocotá, onde dez anos
fui feliz. Era indizivelmente bom.
A POESIA ILHA - Quando nasceu a poesia na sua vida?
POETA - A poesia paterna, que encontrara numa gaveta velha em casa, foi a
minha grande e decisiva influência. Desejei imenso fazer versos assim, versos de
amor. Eu havia sempre laborado na arte da poesia, desde os mais verdes anos. Às
vezes, em meio aos brinquedos com os irmãos, na Ilha do Governador, fugia e ia
me ocultar no quarto, a folha de papel diante de mim. Era tão estranho aquilo!
Eu de nada sabia ainda, senão que tinha nove anos e Cocotá era o meu mundo, com
sua praia de lodo, seu cajueiro e seus guaiamuns. Mas sabia vibrar em presença
da folha branca que me pedia versos, viva como uma epiderme que pede carinho. O
menino dentro de seu quarto dentro da Ilha, dentro da baía, dentro da cidade,
dentro do país, dentro do mar, dentro do mundo. Com as lágrimas do tempo e a cal
do meu dia eu fiz o cimento da minha poesia. Linha por linha, como
psicografado, o poema - o meu primeiro poema - começou a brotar de mim. Amava
era amar. Amava a mulher. A mais não poder. Por isso fazia seu grão de poesia E
achava bonita a palavra escrita. Por isso sofria. Da melancolia de sonhar o
poeta que quem sabe um dia poderia ser. Eu mostrava meus sonetos aos meus amigos
- eles mostravam os grandes olhos abertos. A poesia é tão vital para mim que ela
chega a ser o retrato de minha vida. Portanto julgar minha poesia seria julgar
minha vida. E eu me considero um ser tão imperfeito... Pensei que nunca poderia
ser poeta.
ILHA - E os Poetas ?
POETA - Me liguei muito a Bandeira, Drummond, Pedro Nava e
outros...
COLÉGIO SANTO INÁCIO
ILHA -
Religião?
POETA - Família católica, colégio de padres, aquele negócio de confessar aos
domingos, de comungar. Mas acho que a vocação para o pecado era maior.
ILHA - Reza?
POETA - Sempre. Um homem como eu, que está sempre apaixonado, vive em
prece.
LIVROS
ILHA - Com 19 anos publica o
primeiro livro, Caminho para a distância; o segundo, Forma e exegese, que até
ganhou um prêmio numa disputa acirrada com Jorge Amado, tinham um cunho
espiritual...
POETA - Era o “Inquilino do Sublime”, como disse o Otto Lara Resende.
O BRASIL
ILHA - Poeta, escritor, jornalista, como
diplomata conheceu o mundo, mas conheceu também um Brasil real. Mesmo assim,
quando estava fora, lhe batia certa nostalgia?
POETA - Sim, não há dúvida: são saudades da pátria, e, sobretudo do que na
pátria é pobre e diferente. São doces os caminhos que levam de volta à pátria.
Não à pátria amada de verdes mares bravios, a mirar em berço esplêndido o
esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais íntima, pacífica e
habitual. Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias. De
minha pátria, de minha pátria sem sapatos e sem meias, pátria minha. Tão
pobrinha! Amada, idolatrada, salve, salve! Pátria minha... A minha pátria não é
florão, nem ostenta lábaro não; a minha pátria é desolação. De caminhos, a minha
pátria é terra sedenta. E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular.
Que bebe nuvem, come terra e urina mar. Atento à fome em tuas entranhas e ao
batuque em teu coração. Não te direi o nome, pátria minha Teu nome é
pátria amada, é patriazinha Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil,
talvez. Pátria minha, saudades de quem te ama…
ILHA - Em 42, você viajou com o escritor americano Waldo Frank pelo Nordeste
e Norte do Brasil. Esta viagem mudou sua visão política ao descobrir o
Brasil?
POETA - Descobrir o Brasil, exatamente. Pela mão de um americano... Mas essa
viagem representou para mim, em um mês, uma virada de 360 graus. Saí um homem de
direita e voltei um homem de esquerda. Foi o fato de ter visto a realidade
brasileira, principalmente o Nordeste e o Norte, aquela miséria espantosa, os
mocambos do Recife, as casas de habitação coletiva na Bahia, o sertão
pernambucano, Manaus. A barra me pesou mesmo. Eu tenho um envolvimento político
bastante grande, mas nunca o expressei em minha poesia, exceto quando surgiu
como uma coisa válida, como em “Operário em construção”, “Os barões da terra”,
“Mensagem à poesia”.
ILHA - Como você vê o Brasil?
POETA - Eu digo sempre uma coisa: tenho
uma grande fé no Brasil. Uma fé meio estúpida, meio instintiva, por causa do
povo. Realmente, a minha fé no Brasil não vem das instituições, nada disso.
Agora, eu acredito neste povo. E cada vez que eu voltava ao Brasil, de alguma
viagem ao exterior, essa crença aumentava, compreende? E como essa crença é um
bem gratuito, eu prefiro tê-la a não
tê-la.
ORFEU ILHA - Contam que a visita que fez com o escritor
americano Waldo Frank, o mesmo que viajou com você pelo Norte e Nordeste, e à
favela da praia do Pinto, que havia no Leblon, deixou-o enfeitiçado com o ritmo
e a sensualidade dos negros sambistas. Frank teria dito que eles pareciam gregos
antes da própria cultura grega. E naquele carnaval de 1942, a ideia enfim brotou
de uma batucada no Morro do Cavalão, em Niterói, foi isso?
POETA - Pus-me a ler, por desfastio, num velho tratado francês de mitologia
grega, a lenda de Orfeu - o maravilhoso músico e poeta da Trácia. Curiosamente,
nesse mesmo instante, em qualquer lugar do morro, moradores negros começaram uma
infernal batucada, e o ritmo áspero de seus instrumentos - a cuíca, os
tamborins, o surdo - chegava-me nostalgicamente de envolta com ecos mais
longínquos ainda do pranto de Orfeu chorando. O interesse que tinha pelo mito do
Orfeu – o poeta- músico, que eu considerava, num plano ideal, o grande
criador.
ILHA - Orfeu da Conceição (título sugerido por João Cabral de Mello Neto),
Uma tragédia carioca, acabou resultando no seu encontro com Tom Jobim. Lúcio
Rangel indicou e você pergunta a Paulinho Soledade, que também lhe falara a
respeito.
POETA - Paulinho, estou precisando de um maestro que me ajude numas músicas
que vou fazer. Você tem algum?
ILHA - Paulinho responde: Tom Jobim, mas tem um problema: ele é
moderno...
ILHA - Trechos de Orfeu da Conceição.
O morro, a cavaleiro da cidade,
cujas luzes brilham ao longe. São demais os perigos desta vida
Para
quem tem paixão, principalmente. Toda a música é minha, eu sou
Orfeu! Eurídice... Se
todos fossem iguais a você Que maravilha
viver! Eurídice
morreu. No interior do clube Os Maiorais do Inferno, num fim de
baile de terça-feira
gorda. E
viva a orgia! É o reinado da folia! É hoje o último dia! E
viva! Amanhã é Cinzas! Hoje é o último dia! E
viva Momo! E viva a folia! Sem Eurídice não há Orfeu, não há música, não
há nada. O morro parou, tudo se esqueceu. O que resta de vida é a esperança de
Orfeu ver Eurídice, de ver Eurídice nem que seja pela última vez! Desceu às
trevas, e das grandes trevas ressurgiu à luz, e subiu ao morro onde está vagando
como alma penada procurando Eurídice… Tudo morre que nasce e que viveu Só não
morre no mundo a voz de Orfeu.
CINEMA ILHA - Sua paixão por cinema vem de criança.
Defensor do filme mudo, você foi de censor a crítico. Roteirista de diversos
filmes. Nessa sua paixão por cinema, como foi levar Orfeu para as telas, ainda
que decepcionado com o resultado?
POETA - Sou apaixonado por cinema. Só
Deus sabe como gosto de uma boa fita, o prazer que me traz “ver cinema”,
discutir, ponderar, escrever, até fazer cinema na imaginação. Nesta adaptação
construo o filme como eu o faria. Ao contrário de minha peça, em que a "descida
aos infernos" de Orfeu situa-se numa gafieira, no 2º ato, estou transpondo o
carnaval carioca para o final do filme, como o ambiente dentro do qual a Morte
perseguirá Eurídice.
ILHA - Um dos grandes sucessos do filme foi “A Felicidade”, que dizia:
Tristeza não tem
fim Felicidade
sim (...)A
felicidade é como a
gota (...)E
cai como uma lágrima de
amor A
felicidade do pobre
parece A
grande ilusão do
carnaval (...)Pra
tudo se acabar na quarta-feira
BOSSA NOVA ILHA - Fale-me de sua música.
POETA - Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia
que está nos livros da que está nas canções. Era uma insatisfação minha
verificar que a poesia de livro atingia um número tão reduzido de
pessoas. Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma
cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo
da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me
machucavam aquelas valsas antigas. Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo
música. Depois a poesia fez o resto. A música começou mesmo na década de 50,
quando voltei de meu primeiro posto diplomático no exterior, em Los Angeles.
Agora, eu sempre fazia minhas músicas, antes, mesmo sozinho, mas sem nenhum
intuito de editar ou ver cantar. Aos 15 anos tive uma experiência interessante:
eu me liguei a uma dupla vocal, que havia aqui, chamada Irmãos Tapajós, e
comecei a compor com
eles.
ILHA - Durante os
cerca de quatro anos em solo americano, você se apaixonou pelo jazz, que
futuramente seria uma das raízes fundamentais para a Bossa Nova. Tom Jobim teve
uma formação semelhante e João Gilberto, no interior da Bahia, também se
interessava pelo mesmo estilo musical e, coincidentemente, teve as mesmas
influências dos músicos cariocas. E o marco foi “Chega de saudade”, com Elizeth
Cardoso e depois gravado por João Gilberto. Você acha que a influência do jazz
foi boa para a bossa nova?
POETA - Acho que foi uma influência muito boa. Com a influência do jazz,
abriu tudo isso, você podia introduzir qualquer instrumento num conjunto de
samba, os instrumentistas improvisavam, as harmonias melhoraram muito e se
enriqueceram, os instrumentistas tornaram-se excelentes e conheciam
profundamente seus instrumentos, como é o caso de Baden e Tom. A influência foi
benéfica porque houve uma descaracterização de nossa música. O samba estava
sempre presente na bossa nova. Além disso, a bossa nova trouxe mais alegria e
bom humor à nossa música, que andava muito voltada para a tristeza, a dor de
corno, a fossa, naquela época do Antonio Maria. Eram músicas muito bonitas, o
chamado samba de boate. Com a bossa nova a coisa ficou mais sadia, mais
otimista, os sentimentos eram mais de comunicação, mais legais. Bossa nova é
mais um olhar que um beijo; mais uma ternura que uma paixão; mais um recado que
uma mensagem.
Vai, minha tristeza E diz a ela que sem ela não pode ser Diz-lhe numa
prece Que ela regresse Porque eu não posso mais sofrer Chega de
saudade A realidade é que sem ela Não há paz, não há beleza É só
tristeza e a melancolia Que não sai de mim Não sai de mim Não sai
Tanto assim que eu sou um dos pouquíssimos compositores brasileiros que
atravessou essas gerações todas. Eu fiz música com o Pixinguinha, o Ary Barroso,
com o pessoal da geração do Antonio Maria, o Paulinho Soledade; depois peguei o
Tom, o Baden, o Carlos Lyra, o Edu, o Francis e, em 69, o Toquinho. E mesmo com
caras mais jovens que o Toquinho eu já fiz música, como o Eduardo Souto Neto, o
João Bosco.
AFROSSAMBAS E BAIANICES
ILHA - Em meados de 62, quando começa a compor com Baden Powell, surge uma
grande virada com os ritmos baianos ...
POETA - O Baden tem uma produção muito boa, e foi ele quem me introduziu o
elemento africano, o que não havia antes na bossa nova - eram todos brancos,
arianos.
ILHA - Naquela altura da vida você retomou um caminho de fé?
POETA - Num plano assim de vida, não. Restou talvez uma certa religiosidade,
própria de meu temperamento. Por exemplo, eu me interesso por candomblé, certas
superstições. Isso é sinal de que tem algum fogo na cinza.
ILHA - Época dos afrossambas e você acabou virando... O branco mais preto do
Brasil. Na linha direta de Xangô.
POETA - Quando digo que eu sou o branco mais preto do Brasil, digo a verdade.
A minha comunicação com a raça negra é imensa. Sinto atração por ela, a todo
momento descubro a sua vitalidade. A contribuição do negro à cultura brasileira
é importantíssima. Só a contribuição rítmica que eles trouxeram; a magia do
mundo negro, já me liga a eles definitivamente.
ILHA - Maysa e Elis Regina fizeram sucesso com “Canto de Ossanha”, num LP que
exaltava com outros “Cantos”, outros orixás.
POETA - Amigo sinhô sarava, Xangô me mandou lhe dizer: - Se é canto de
Ossanha, não vá! Que muito vai se arrepender. Pergunte pro seu orixá. Amor só é
bom se doer.
ILHA - E essa africanidade toda rendeu até palavrão. Uma nova forma de xingar
os militares da ditadura?
POETA - Te garanto que na Escola Superior de Guerra não tem milico que saiba
falar Nagô:
Eu saio da fossa xingando em nagô. Vou lhe rogar uma praga, eu vou é mandar
você: Pra tonga da mironga do kabuletê.
ILHA – Em seu período baiano, você fez amizade com uma das mais famosas
Ialorixás...
POETA - Ela é a Mãe Menininha do Gantois Que Oxum abençoou,
Tatamirô!
ILHA - Por encomenda, você e Toquinho fizeram a trilha da novela O bem amado,
uma das faixas de maior sucesso foi “Meu pai Oxalá”.
Atotô Abaluayê Atotô babá
Atotô Abaluayê Atotô babá
Meu pai Oxalá é o rei Venha me valer
O velho Omulu
Atotô Abaluayê
ILHA - Voltando à Elis Regina, ela
venceu o festival da canção de 1965, música sua e de Edu Lobo, onde, além do
primeiro lugar, você ainda faturou o segundo de quebra com Elizeth Cardoso.
Vamos recordar uns trechinhos de “Arrastão”?
Ê! Tem jangada no mar Hoje tem arrastão! Todo mundo pescar Olha o
arrastão entrando no mar sem fim. Traz Iemanjá pra mim Ê! É a rainha do mar
Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim Nunca, jamais se viu tanto peixe assim.
ILHA - Essa onda afro, que começa com Baden em 1962, onde se destaca
também “Berimbau”...
Capoeira me mandou Dizer que já chegou para lutar Berimbau me confirmou
Vai ter briga de amor Tristeza, camará
ILHA -...se estende quase dez anos depois na sua temporada baiana, com
uma nova parceria, para os íntimos o Toco.
POETA - Encontrei novamente um parceiro pra valer, e ele é um jovem paulista
de 24 anos, com uma pinta de menestrel medieval conhecido pelo apelido de
Toquinho, e simplesmente “janta” o violão.
ILHA - "Tarde em Itapuã", seria dado para o Caymmi musicar. Mas você lhe
deu um voto de confiança e rendeu um dos maiores sucessos dessa parceria.
O dia pra vadiar Um mar que não tem tamanho É bom Passar uma
tarde em Itapuã Ao sol que arde em Itapuã Ouvindo o mar de Itapuã Falar
de amor em Itapuã
CARIOCA
ILHA - Belas mulheres sempre inspiram, não
é?
POETA - As muito feias que me perdoem Mas beleza é fundamental.
ILHA - A menina que passa acabou gerando a mais cantada música brasileira no
mundo que é a “Garota de Ipanema”. Enquanto a menina passava você acabou tirando
parte da letra definitiva num comentário com o Tom. Qual foi o comentário?
POETA - Você notou que quando ela passa o ar fica mais volátil? Eu acho que
nem os egípcios, nem o próprio Einstein saberiam explicar por quê.
Olha que coisa mais linda Mais cheia de graça É ela menina Que vem e
que passa Num doce balanço A caminho do mar Moça do corpo dourado Do
sol de Ipanema O seu balançado é mais que um poema É a coisa mais linda
que eu já vi passar (...) Ah, se ela soubesse Que quando ela passa O
mundo inteirinho se enche de graça E fica mais lindo Por causa do
amor
ILHA – “Carta ao Tom 74” mostra o saudosismo daquela época.
POETA - Rua Nascimento e Silva, 107 Você ensinando pra Elizete As canções de
Canção do amor demais (...) Ah, que saudade Ipanema era só felicidade (...)Nossa
famosa garota nem sabia A que ponto a cidade turvaria Esse Rio de amor que se
perdeu
VINICIUS PARA CRIANÇAS ILHA - Você lançou um livro de
poemas infantis dedicado aos seus filhos. Desde a década de 70 tinha o desejo de
musicar esses versos e transformá-los em um álbum. Foram dois álbuns com canções
inspiradas em alguns dos poemas e interpretadas por grandes nomes de MPB, delas
se destacam:
“A casa” Era uma casa muito engraçada. Mas era feita
com muito esmero, na rua dos bobos, número
zero. “Aquarela” Numa
folha qualquer eu desenho um sol amarelo. Vamos todos numa linda passarela de
uma aquarela que um dia enfim, descolorirá.
“O
pato” Lá
vem o Pato Pata aqui, pata acolá Lá vem o Pato Para ver o que é que
há.
“A arca de
Noé” E
abre-se a porta da Arca desconjuntada. Colorida maravilha, brilha o arco da
aliança. Aos pulos da bicharada toda querendo sair. De par em par: surgem
francas, conduzidos por Noé. Do prudente patriarca Ei-los em terra
benquista
PAIXÕES ILHA - O Drummond disse que você
havia nascido sob o signo da paixão. Vamos ao ponto: Amor ou Paixão?
POETA - Eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor
paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor
é o único que tem a dimensão do infinito. Eu sou um namorador
inveterado. Eu possa lhe dizer do amor (que tive): Que não seja imortal,
posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure Labareda O teu
nome é mulher Quando a luz dos olhos meus E a luz dos olhos
teus Resolvem se encontrar Ai, que bom que isso é, meu Deus Que frio
que me dá O encontro desse olhar Eu não ando só Só ando em boa
companhia Com meu violão Minha canção e a poesia Para viver um grande
amor E cada verso meu será Pra te dizer Que eu sei que vou te
amar Por toda a minha vida
ILHA – Boemia...
Onde anda a canção Que se ouvia na noite Dos bares de então E por
falar em paixão Em razão de viver Você bem que podia me aparecer Nesses
mesmos lugares Na noite, nos bares Onde anda você
ILHA - Sua alma
boêmia tinha em seus versos sempre a companhia da lua ...
O poeta se deixa em prece Ante a beleza da lua. Vagabunda, patética,
indefesa Ó minha branca e pequenina lua! Lua linda! Uma volúpia
infinda! Linda lua! lua amada lua ardente tão presente Como se
fosses minha namorada!
ILHA - Quero lhe apresentar aos nossos poetas da Ilha.
POETA -A bênção, todos os grandes Sambistas do Brasil
ILHA - Qual a
receita de um bom samba?
POETA - Mas pra fazer um samba com beleza É preciso um bocado de
tristeza Senão, não se faz um samba não Fazer samba não é contar
piada E quem faz samba assim não é de nada O bom samba é uma forma de
oração Porque o samba nasceu lá na Bahia E se hoje ele é branco na
poesia Ele é negro demais no coração Ponha um pouco de amor numa
cadência E vai ver que ninguém no mundo vence A beleza que tem um samba,
não
ILHA - E as tantas amizades que você fez? POETA - A gente não
faz amigos, reconhece-os. ILHA - Seus parceiros?
POETA - Meus principais parceiros, Antonio Carlos Jobim, Carlinhos Lyra e
Baden Powell, são pra mim o Pai, o Filho e o Espírito Santo...
ILHA - E o Toquinho?
POETA - Amém.
E há Pixinguinha. Pixinguinha, eu acho que é o próprio Deus em pessoa.
Isso sem falar em Ary Barroso.
Edu lobo e Francis Hime.
ILHA - Você poderia definir qual seu
estilo?
POETA - Infelizmente, eu não tenho estilo. Um amigo meu costuma dizer que eu
sou muitos. Se fosse um só, não me chamaria Vinicius de Moraes, no plural.
ILHA – E agora o Vinicius showman. Para comemorar seu centenário e a
eternidade de suas obras, vamos fazer surgir um grande palco com alguns de seus
grandes shows: Boite Au Bon Gourmet, com Tom e João Gilberto; no mesmo local,
com Carlos Lyra e Nara Leão, na comédia musical Pobre menina rica; Boite Zum
Zum, com Caymmi e quarteto em Cy; Toquinho e Clara Nunes, no teatro Castro
Alves, em Salvador; Maria Medalha e Maria Creusa, em Milão; Bethânia e
Toquinho, no La Fusa, em Mar Del Plata; com Joyce, em Punta Del Leste; Tom,
Toquinho e Miúcha, no Canecão e inúmeros outros...
ILHA – Já que celebrar é alegria de viver, o que é a vida pra
você? POETA - A vida é arte do encontro Embora haja tanto desencontro
pela vida Quem já passou por essa vida e não viveu Pode ser mais, mas sabe
menos do que eu É melhor ser alegre que ser triste Alegria é a melhor
coisa que existe É assim como a luz no coração
ILHA - Você, um poeta
dentro da vida... Ela tem sempre razão?
POETA - Sei lá, sei lá Só sei que é preciso paixão ILHA - E a
morte?
POETA - Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço: – Meu tempo
é quando. Quem vai pagar o enterro e as flores Se eu me morrer de
amores? Amigos meus, está chegando a hora Em que a tristeza aproveita pra
entrar E todos nós vamos ter que ir embora Pra vida lá fora continuar Prontinha
pro show voltar E em novo dia A gente ver novamente A sala se encher de gente
Pra gente comemorar E no entanto é preciso cantar Mais que nunca é preciso
cantar É preciso cantar e alegrar a cidade Quem me dera viver pra ver E brincar
outros carnavais A bênção, que eu vou partir Eu vou ter que dizer
adeus
ILHA - Calma poeta, tenho uma última pergunta: Um repórter lhe
perguntou se você tinha medo da morte. O que respondeu?
POETA – Não, meu filho. Eu não estou com medo da morte. Eu estou é com
saudade da vida.
ILHA - Até mais Poeta...te vejo na Ilha.
POETA -
Saravá!
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